quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

V – Desenvolvimento da Psicografia

 


Mais tarde reconheceu-se que a cesta e a prancheta nada mais eram do que apêndices da mão, e o médium, tomando diretamente o lápis, pôs-se a escrever por um impulso involuntário e quase febril. Por esse meio as comunicações se tornaram mais rápidas, mais fáceis c mais completas: é esse hoje, o meio mais comum, tanto que o número de pessoas dotadas dessa aptidão é bastante considerável e se multiplica dia-a-dia. A experiência, por fim, tornou conhecidas muitas outras variedades da faculdade mediúnica, descobrindo-se que as comunicações podiam igualmente verificar-se através da escrita direta dos Espíritos, ou seja, sem o concurso da mão do médium nem do lápis.
Verificado o fato, um ponto essencial restava a considerar: o papel do médium nas respostas e a parte que nelas tomava, mecânica e espiritualmente. Duas circunstâncias capitais, que não escapariam a um observador atento, podem resolver a questão. A primeira é a maneira pela qual a cesta se move sob a sua influência, pela simples imposição dos dedos na borda; o exame demonstra a impossibilidade de um médium imprimir uma direção à cesta. Essa impossibilidade se torna sobretudo evidente quando duas ou três pessoas tocam ao mesmo tempo na mesma cesta; seria necessário entre elas uma concordância de movimentos realmente fenomenal; seria ainda necessária a concordância de pensamentos para que pudessem entender-se sobre a resposta a dar. Outro fato, não menos original, vem ainda aumentar a dificuldade. É a mudança radical da letra, segundo o Espírito que se manifesta e a cada vez que o mesmo Espírito volta, repetindo-a. Seria, pois, necessário que o médium se tivesse exercitado em modificar a própria letra de vinte maneiras diferentes, e sobretudo que ele pudesse lembrar-se da caligrafia deste ou daquele Espírito.
A segunda circunstância resulta da própria natureza das respostas, que são, na maioria dos casos, sobretudo quando se trata de questões abstraias ou científicas, notoriamente fora dos conhecimentos e às vezes do alcance intelectual do médium. Este, de resto, geralmente, não tem consciência do que escreve e por outro lado nem mesmo entende a questão proposta, que pode ser feita numa língua estranha ou mentalmente, sendo a resposta dada nessa língua. Acontece, por fim, que a cesta escreve de maneira espontânea, sem nenhuma questão proposta, sobre um assunto absolutamente inesperado.
As respostas, em certos casos, revelam um teor de sabedoria, de profundeza e de oportunidade, pensamentos tão elevados e tão sublimes, que não podem vir senão de uma inteligência superior, impregnada da mais pura moralidade. De outras vezes, são tão levianas, tão frívolas e mesmo tão banais que a razão se recusa a admitir que possam vir da mesma fonte. Essa diversidade de linguagem não se pode explicar senão pela diversidade de inteligências que se manifestam. Essas inteligências são humanas ou não? Esse é o ponto a esclarecer e sobre o qual se encontrará nesta obra a explicação completa, tal como foi dada pêlos próprios Espíritos.
Eis, portanto, os efeitos evidentes que se produzem fora do círculo habitual de nossas observações; que não se passam de maneira misteriosa mas à luz do dia; que todos podem ver e constatar; que não são privilégio de nenhum indivíduo e que milhares de pessoas repetem à vontade todos os dias. Esses efeitos têm necessariamente uma causa e, desde que revelam a ação de uma inteligência e de uma vontade, saem fora do domínio puramente físico.
Muitas teorias foram formuladas a respeito. Passaremos a examiná-las dentro em pouco e veremos se podem tornar compreensíveis todos os fatos produzidos. Admitamos, por enquanto, a existência de seres distintos da Humanidade, pois é essa a explicação dada pelas inteligências, e vejamos o que eles nos dizem.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

VI – Resumo da Doutrina dos Espíritos

 


Os seres que se manifestam designam-se a si mesmos, como dissemos pelo nome de Espíritos ou Gênios, e dizem, alguns pelo menos, que viveram como homens na Terra. Constituem o mundo espiritual, como nós constituímos durante a nossa vida, o mundo corporal. Resumimos em poucas palavras os pontos principais da doutrina que nos transmitiram, a fim de mais facilmente responder a certas objeções:
“Deus é eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom.
“Criou o Universo, que compreende todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais.
“Os seres materiais constituem o mundo visível ou corporal e os seres imateriais o mundo invisível ou espírita, ou seja, dos Espíritos.
“O mundo espírita é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente a tudo.
“O mundo corporal é secundário; pode deixar de existir ou nunca ter existido, sem alterar a essência do mundo espírita.
“Os Espíritos revestem temporariamente um invólucro material perecível e sua destruição pela morte os devolve à liberdade.
“Entre as diferentes espécies de seres corporais, Deus escolheu a espécie humana para a encarnação dos Espíritos que chegaram a um certo grau de desenvolvimento, o que lhes dá superioridade moral e intelectual perante as demais.
“A alma é um Espírito encarnado e o corpo é apenas o seu invólucro.
“Há no homem três coisas: l.”) O corpo ou ser material, semelhante ao dos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2.-) A alma ou ser imaterial, espírito encarnado no corpo; 3.») o liame que une a alma ao corpo, principio intermediário entre a matéria e o Espírito.
“O homem tem, assim, duas naturezas: pelo corpo participa da natureza dos animais, dos quais possui os instintos; pela alma participa da natureza dos Espíritos.
“O liame ou perispirito que une corpo e Espírito é uma espécie de invólucro semimaterial. A morte é a destruição do invólucro mais grosseiro. O Espírito conserva o segundo, que constitui para ele um corpo etéreo, invisível para nós no seu estado normal, mas que ele pode tornar acidentalmente visível e mesmo tangível, como se verifica nos fenômenos de aparição.
“O Espírito não é, portanto, um ser abstraio, indefinido, que só o pensamento pode conceber. É um ser real, definido, que em certos casos pode ser apreciado pelos nossos sentidos da vista, da audição e do tato.
“Os Espíritos pertencem a diferentes classes, não sendo iguais em poder nem inteligência, saber ou moralidade. Os da primeira ordem são os Espíritos Superiores que se distinguem pela perfeição, pêlos conhecimentos e pela proximidade de Deus, a pureza dos sentimentos e o amor do bem: são os anjos ou Espíritos puros. As demais classes se distanciam mais e mais dessa perfeição. Os das classes inferiores são inclinados às nossas paixões: o ódio, a inveja, o ciúme o orgulho etc., e se comprazem no mal. Nesse número há os que não são nem muito bons, nem muito maus; antes perturbadores e intrigantes do que maus; a malícia e a inconseqüência parecem ser as suas características: são os Espíritos estouvados ou levianos.
“Os Espíritos não pertencem eternamente à mesma ordem. Todos melhoram, passando pelos diferentes graus da hierarquia espírita. Esse melhoramento se verifica pela encarnação, que a uns é imposta como uma expiação e a outros como missão. A vida material é uma prova a que devem submeter-se repetidas vezes até atingirem a perfeição absoluta; é uma espécie de peneira ou depurador de que eles saem mais ou menos purificados.
“Deixando o corpo, a alma volta ao mundo dos Espíritos, de que havia saído para reiniciar uma nova experiência material após um lapso de tempo mais ou menos longo durante o qual permanecerá no estado de Espírito errante(1)
“Devendo o Espírito passar por muitas encarnações, conclui-se que todos nós tivemos muitas existências e que teremos ainda outras mais ou menos aperfeiçoadas, seja na Terra ou em outros mundos.
“A encarnação dos Espíritos ocorre sempre na espécie humana. Seria um erro acreditar que a alma ou espírito pudesse encarnar num corpo de animal.
“As diferentes existências corporais do espírito são sempre progressivas e jamais retrógradas, mas a rapidez do progresso depende dos esforços que fazemos para chegar a perfeição.
“As qualidades da alma são as do Espírito encarnado. Assim, o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito e o homem perverso, a de um Espírito impuro.
“A alma tinha a sua individualidade antes da encarnação e a conserva após a separação do corpo.
“No seu regresso ao mundo dos Espíritos, a alma reencontra todos os que conheceu na Terra e todas as suas existências anteriores se delineiam na sua memória, com a recordação de todo o bem e todo o mal que tenha feito.
“O Espírito encarnado está sob influência da matéria. O homem que supera essa influência, pela elevação e purificação de sua alma, aproxima-se dos bons espíritos com os quais estará um dia. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões e põe todas as suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros aproxima-se dos Espíritos impuros, dando preferência à natureza animal. Os Espíritos encarnados habitam os diferentes globos do Universo.
“Os Espíritos não-encarnados ou errantes não ocupam nenhuma região determinada ou circunscrita; estão por toda parte, no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos sem cessar. É toda uma população invisível que se agita em nosso redor.
“Os Espíritos exercem sobre o mundo moral e mesmo sobre o mundo físico uma ação incessante. Agem sobre a matéria e sobre o pensamento e constituem uma das forças da Natureza, causa eficiente de uma multidão de fenômenos até agora inexplicados ou mal explicados, que não encontram solução racional.
“As relações dos Espíritos com os homens são constantes. Os bons Espíritos nos convidam ao bem, nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a suportá-las com coragem e resignação; os maus nos convidam ao mal: é para eles um prazer ver-nos sucumbir e cair no seu estado.
“As comunicações ocultas verificam-se pela influência boa ou má que eles exercem sobre nós sem o sabermos, cabendo ao nosso julgamento discernir as más e boas inspirações. As comunicações ostensivas realizam-se por meio da escrita, da palavra ou de outras manifestações materiais, na maioria das vezes através dos médiuns que lhes servem de instrumentos.
“Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou pela evocação. Podemos evocar todos os Espíritos: os que animaram homens obscuros e os dos personagens mais ilustres, qualquer que seja a época em que tenham vivido; os de nossos parentes, de nossos amigos ou inimigos, e deles obter, por comunicações escritas ou verbais, conselhos, informações sobre a situação em que se acham no espaço, seus pensamentos a nosso respeito, assim como as revelações que tenham a permissão de fazer-nos.
“Os Espíritos são atraídos na razão de sua simpatia pela natureza moral do meio que os evoca. Os Espíritos superiores gostam das reuniões sérias em que predominam o amor do bem e o desejo sincero de instrução e de melhoria. Sua presença afasta os Espíritos inferiores, que encontram, ao contrário, livre acesso e podem agir com inteira liberdade entre as pessoas frívolas ou guiadas apenas pela curiosidade, e por toda parte onde encontrem maus instintos. Longe de obtermos bons conselhos e informações úteis desses Espíritos, nada mais devemos esperar do que futilidades, mentiras, brincadeiras de mau gosto ou mistificações, pois freqüentemente se servem de nomes veneráveis para melhor nos induzirem ao erro.
“Distinguir os bons e os maus Espíritos é extremamente fácil. A linguagem dos Espíritos superiores é constantemente digna, nobre, cheia da mais alta moralidade, livre de qualquer paixão inferior, seus conselhos revelam a mais pura sabedoria e têm sempre por alvo o nosso progresso e o bem da Humanidade. A dos Espíritos inferiores é inconseqüente, quase sempre banal e mesmo grosseira; se dizem às vezes coisas boas e verdadeiras, dizem com mais freqüência falsidades e absurdos, por malícia ou ignorância; zombam da credulidade e divertem-se à custa dos que os interrogam, lisonjeando-lhes a vaidade e embalando-lhes os desejos com falsas esperanças. Em resumo as comunicações sérias, na perfeita acepção do termo, não se verificam senão nos centros senos, cujos membros estão unidos por uma íntima comunhão de pensamentos dirigidos para o bem.
“A moral dos espíritos superiores se resume, como a do Cristo nesta máxima evangélica: “Fazer aos outros o que desejamos que os outros nos façam , ou seja, fazer o bem e não o mal. O homem encontra nesse princípio a regra universal de conduta, mesmo para as menores ações.
“Eles nos ensinam que o egoísmo, o orgulho, a sensualidade são paixões que nos aproximam da natureza animal, prendendo-nos à matéria; que o homem que, desde este mundo, se liberta da matéria pelo desprezo das futilidades mundanas e o cultivo do amor ao próximo, se aproxima da natureza espiritual; que cada um de nós deve tornar-se útil segundo as faculdades e os meios que Deus nos colocou nas mãos para nos provar; que o Forte e o Poderoso devem apoio e proteção ao Fraco porque aquele que abusa da sua força e do seu poder para oprimir o seu semelhante viola a lei de Deus. Eles ensinam enfim que no mundo dos Espíritos nada pode estar escondido: o hipócrita será desmascarado e todas as suas torpezas reveladas; a presença inevitável e incessante daqueles que prejudicamos é um dos castigos que nos estão reservados; ao estado de inferioridade e de superioridade dos Espíritos correspondem penas e alegrias que nos são desconhecidas na Terra
“Mas eles nos ensinam também que não há faltas irremissíveis que não possam ser apagadas pela expiação. O homem encontra o meio necessário nas diferentes existências que lhe permitem avançar, na via do progresso em direção à perfeição que é o seu objetivo final.”

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

IV – Manifestações Inteligentes

 


Se os fenômenos de que nos ocupamos se restringissem ao movimento dos objetos, teriam permanecido no domínio das ciências físicas; mas não aconteceu assim: estavam destinados a nos colocarem na pista dos fatos de uma ordem estranha. Acreditou-se haver descoberto, não sabemos por iniciativa de quem, que o impulso dado aos objetos não era somente o produto de uma força mecânica cega, mas que havia nesse movimento a intervenção de uma causa inteligente. Esta via, uma vez aberta, oferecia um campo inteiramente novo de observações; era o véu que se levantava sobre muitos mistérios. Mas haverá realmente neste caso uma potência inteligente? Essa é a questão. Se essa potência existe, o que é ela, qual a sua natureza, a sua origem? E ela superior à Humanidade? Tais são as outras questões que decorrem da primeira.
As primeiras manifestações inteligentes verificaram-se por meio de mesas que se moviam e davam determinados golpes, batendo um pé, e assim respondiam, segundo o que se havia convencionado, por “sim” ou por “não” à questão proposta. Até aqui, nada de seguramente convincente para os céticos, porque podia crer-se num efeito do acaso. Em seguida, obtiveram-se respostas mais desenvolvidas por meio das letras do alfabeto: dando o móvel um número de ordem de cada letra, chegava-se a se formarem palavras e frases que respondiam às questões propostas. A justeza das respostas e sua correspondência com a pergunta provocaram a admiração. O ser misterioso que assim respondia, interpelado sobre a sua natureza, declarou que era um Espírito ou Gemo, deu o seu nome e forneceu diversas informações a seu respeito. Esta é uma circunstância muito importante a notar. Ninguém havia então pensado nos Espíritos como um meio de explicar o fenômeno; foi o próprio fenômeno que revelou a palavra. Fazem-se hipóteses freqüentemente nas ciências exatas para se conseguir uma base ao raciocínio; mas neste caso não foi o que se deu.
Esse meio de correspondência era demorado e incômodo O Espírito e esta e também uma circunstância digna de nota, indicou outro. Foi um desses seres invisíveis quem aconselhou a adaptar-se um lápis a uma cesta ou a um outro objeto. A cesta, posta sobre uma folha de papel, é movimentada pela mesma potência oculta que faz girar as mesas; mas, em lugar de um simples movimento regular, o lápis escreve por si mesmo, formando palavras frases discursos inteiros de muitas páginas, tratando das mais altas questões de Filosofia, de Moral, de Metafísica, de Psicologia etc., e isso com tanta rapidez como se escrevesse à mão.
Esse conselho foi dado simultaneamente na América, na França e em diversos países. Eis os termos em que foi dado em Paris, a 10 de Junho de1853, a um dos mais fervorosos adeptos da Doutrina, que há muitos anos desde 1849, se ocupava com a evocação dos Espíritos: “Vá buscar no quarto ao lado a cestinha; prenda nela um lápis, coloque-a sobre o papel e ponha-lhe os dedos na borda”. Feito isso, depois de alguns instantes, a cesta se pôs em movimento e o lápis escreveu legivelmente esta frase: “Isto que eu vos disse proíbo-vos expressamente de dizer a alguém; na primeira vez que escrever, escreverei melhor”.
O objeto a que se adapta o lápis, não sendo mais que simples instrumento sua natureza e sua forma não importam; procurou-se a disposição mais cômoda e foi assim que muitas pessoas passaram a usar uma prancheta.
A cesta ou a prancheta não podem ser postas em movimento senão sob a influência de certas pessoas, dotadas para isso de um poder especial e que se designa pelo nome de médiuns, ou seja, intermediários entre os Espíritos e os homens. As condições que produzem este poder estão ligadas a causas ao mesmo tempo físicas e espirituais ainda imperfeitamente conhecidas porquanto se encontram médiuns de todas as idades, de ambos os sexos e em todos os graus de desenvolvimento intelectual. Essa faculdade, entretanto, se desenvolve pelo exercício.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

III – A Doutrina E Seus Contraditores

Por Allan Kardec
A Doutrina Espírita, como toda novidade, tem seus adeptos e seus contraditores. Tentaremos responder a algumas das objeções destes últimos, examinando o valor das razões em que se apóiam, sem termos, entretanto, a pretensão de convencer a todos, pois há pessoas que acreditam que a luz foi feita somente para elas. Dirigimo-nos às pessoas de boa fé, sem idéias preconcebidas ou posições firmadas mas sinceramente desejosas de se instruírem, e lhes demonstraremos que a maior parte das objeções que fazem à doutrina provêm de uma observação incompleta dos fatos e de um julgamento formado com muita ligeireza e precipitação.
Recordaremos inicialmente, em breves palavras, a série progressiva de fenômenos que deram origem a esta doutrina.
O primeiro fato observado foi o movimento de objetos; designaram-no vulgarmente com o nome de mesas girantes ou dança das mesas. Esse fenômeno, que parece ter sido observado primeiramente na América, ou melhor, que se teria repetido nesse país, porque a História prova que ele remonta à mais alta Antiguidade, produziu-se acompanhado de circunstâncias estranhas, como ruídos insólitos e golpes desferidos sem uma causa ostensiva, conhecida. Dali, propagou-se rapidamente pela Europa e por outras partes do mundo; a princípio provocou muita incredulidade, mas a multiplicidade das experiências em breve não mais permitiu que se duvidasse da sua realidade.
Se esse fenômeno se tivesse restringido ao movimento de objetos materiais, poderia ser explicado por uma causa puramente física. Estamos longe de conhecer todos os agentes ocultos da Natureza e mesmo todas as propriedades dos que já conhecemos; a eletricidade, aliás, multiplica diariamente ao infinito os recursos que oferece ao homem e parece dever iluminar a ciência com uma nova luz. Não haveria, portanto, nada de impossível em que a eletricidade, modificada por certas circunstâncias, ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causa desse movimento. A reunião de muitas pessoas, aumentando o poder de ação, parecia dar apoio a essa teoria porque se poderia considerar essa reunião como uma pilha múltipla, em que a potência corresponde ao número de elementos.
O movimento circular nada tinha de extraordinário: pertence à Natureza. Todos os astros se movem circularmente; poderíamos, pois, estar em face de um pequeno reflexo do movimento geral do Universo; ou, melhor dito, uma causa até então desconhecida poderia produzir acidentalmente, nos pequenos objetos e em dadas circunstâncias, uma corrente análoga à que impulsiona os mundos.
Mas o movimento não era sempre circular. Freqüentemente era brusco, desordenado, o objeto violentamente sacudido, derrubado, conduzido numa direção qualquer e, contrariamente a todas as leis da estática, suspenso e mantido no espaço. Não obstante, nada havia ainda nesses fatos que não pudesse ser explicado pelo poder de um agente físico invisível. Não vemos a eletricidade derrubar edifícios, arrancar árvores, lançar a distância os corpos mais pesados, atraí-los ou repeli-los?
Supondo-se que os ruídos insólitos e os golpes não fossem efeitos comuns da dilatação da madeira ou de qualquer outra causa acidental, poderiam ainda muito bem ser produzidos por acumulação do fluido oculto. A eletricidade não produz os ruídos mais violentos?
Até esse momento, como se vê, tudo pode ser considerado no domínio dos fatos puramente físicos e fisiológicos. E sem sair dessa ordem de idéias, ainda haveria matéria para estudos sérios, digna de prender a atenção dos sábios. Por que não aconteceu assim? É penoso dizer, mas o fato se liga a causas que provam, entre mil outras semelhantes, a leviandade do espírito humano. De início, a vulgaridade do objeto principal que serviu de base às primeiras experiências talvez não lhe seja estranha. Que influência não teve uma simples palavra, muitas vezes, sobre coisas mais graves! Sem considerar que o movimento poderia ser transmitido a um objeto qualquer, prevaleceu a idéia da mesa, sem dúvida por ser o objeto mais cômodo e porque todos se sentam mais naturalmente em torno de uma mesa que de qualquer outro móvel. Ora, os homens superiores são às vezes tão pueris que não seria impossível certos espíritos de elite se julgarem diminuídos, se tivessem de ocupar-se daquilo que se convencionaria chamar a dança das mesas. É mesmo provável que, se o fenômeno observado por Galvani o tivesse sido por homens vulgares e caracterizado por um nome burlesco, estivesse ainda relegado ao lado da varinha mágica. Qual o sábio que não se teria julgado diminuído ao ocupar-se da dança das rãs’?
Alguns, entretanto, bastante modestos para aceitarem que a Natureza poderia não lhes ter dito a última palavra, quiseram ver para tranqüilidade de consciência. Mas aconteceu que o fenômeno nem sempre correspondeu à sua expectativa, e por não se ter produzido constantemente, à sua vontade e segundo a sua maneira de experimentação, concluíram eles pela negativa. Malgrado, porém, a sua sentença, as mesas, pois que há mesas, continuam a girar, e podemos dizer com Galileu: “Contudo, elas se movem”. Diremos ainda que os fatos se multiplicaram de tal modo que têm hoje direito de cidadania, e que se trata apenas de encontrar para eles uma explicação racional.
Pode-se induzir qualquer coisa contra a realidade do fenômeno pelo fato de ele não se produzir sempre de maneira idêntica, segundo a vontade e as exigências do observador? Os fenômenos de eletricidade e de química não estão subordinados a determinadas condições e devemos negá-los porque não se produzem fora delas? Devemos estranhar que o fenômeno do movimento de objetos pelo fluido humano tenha também as suas condições e deixe de se produzir quando o observador, firmado no seu ponto de vista, pretende fazê-lo seguir ao seu capricho ou sujeitá-lo à leis dos fenômenos comuns, sem considerar que, para fatos novos, pode e deve haver novas leis? Ora, para conhecer essas leis, é necessário estudar as circunstâncias em que os fatos se
produzem e esse estudo não pode ser feito sem uma observação perseverante, atenta, e por vezes bastante prolongada.
Mas, objetam algumas pessoas, há freqüentemente fraudes visíveis. Perguntaremos inicialmente se estão bem certas de que há fraudes e se não tomaram por fraudes efeitos que não conseguiram apreender, mais ou menos como o camponês que tomava um sábio professor de física, fazendo experiências, por um destro escamoteador. E mesmo supondo-se que as fraudes tenham ocorrido algumas vezes, seria isso razão para negar o fato? Deve-se negar a Física porque há prestidigitadores que se enfeitam com o título de físicos? É necessário, ao demais, considerar o caráter das pessoas e o interesse que elas poderiam ter em enganar. Seria tudo, então, simples brincadeira? Pode-se muito bem brincar um instante, mas uma brincadeira indefinidamente prolongada seria tão fastidiosa para o mistificador como para o mistificado. Haveria, além disso, uma mistificação que se propaga de um extremo a outro do mundo e, entre as pessoas mais graves, mais veneráveis e esclarecidas, alguma coisa pelo menos tão extraordinária quanto o próprio fenômeno.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

II – Alma, Princípio Vital e Fluido Vital

por Allan Kardec
Há outra palavra sobre a qual igualmente devemos entender-nos, porque é uma das chaves de toda doutrina moral e tem suscitado numerosas controvérsias, por falta de uma acepção bem determinada; é a palavra alma. A divergência de opiniões sobre a natureza da alma provém da aplicação particular que cada qual faz desse vocábulo. Uma língua perfeita, em que cada idéia tivesse a sua representação por um termo próprio, evitaria muitas discussões; com uma palavra para cada coisa, todos se entenderiam.
Segundo uns, a alma é o princípio da vida orgânica material; não tem existência própria e se extingue com a vida: é o puro materialismo. Nesse sentido e por comparação, dizem de um instrumento quebrado, que não produz mais som, que ele não tem alma. De acordo com esta opinião, a alma seria um efeito e não uma causa.
Outros pensam que a alma é o princípio da inteligência, agente universal de que cada ser absorve uma porção. Segundo estes, não haveria em todo o universo senão uma única alma, distribuindo fagulhas para os diversos seres inteligentes, durante a vida; após a morte, cada fagulha volta à fonte comum, confundindo-se no todo, como os córregos e os rios retornam ao mar de onde saíram. Esta opinião difere da precedente em que, segundo esta hipótese, existe em nós algo mais do que a matéria, restando qualquer coisa após a morte; mas é quase como se nada restasse, pois não subsistindo a individualidade não teríamos mais consciência de nós mesmos. De acordo com esta opinião, a alma universal seria Deus e cada ser uma porção da Divindade; é esta uma variedade do Panteísmo.
Segundo outros, enfim, a alma é um ser moral, distinto, independente da matéria e que conserva a sua individualidade após a morte. Esta concepção é incontestavelmente a mais comum, porque, sob um nome ou outro, a idéia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra em estado de crença instintiva, e independente de qualquer ensinança, entre todos os povos, qualquer que seja o seu grau de civilização. Essa doutrina, para a qual a alma é causa e não efeito, é a dos espiritualistas.
Sem discutir o mérito dessas opiniões e não considerando senão o lado lingüístico da questão, diremos que essas três aplicações da palavra alma constituem três idéias distintas, que reclamariam cada uma um termo diferente.
Essa palavra tem, portanto, significação tríplice, e cada qual está com a razão, segundo o seu ponto de vista ao lhe dar uma definição; a falha se encontra na língua, que não dispõe de mais de uma palavra para três idéias. Para evitar confusões, seria necessário restringir a acepção da palavra alma a uma de suas idéias. Escolher esta ou aquela é indiferente, simples questão de convenção, e o que importa é esclarecer. Pensamos que o mais lógico é tomá- la na sua significação mais vulgar, e por isso chamamos ALMA ao ser imaterial e individual que existe em nós e sobrevive ao corpo. Ainda que este ser não existisse e não fosse mais que um produto da imaginação, seria necessário um termo para designá-lo.
Na falta de uma palavra especial para cada uma das duas outras idéias, chamaremos:
Princípio vital, o princípio da vida material e orgânica, seja qual for a sua fonte, que é comum a todos os seres vivos, desde as plantas ao homem. A vida podendo existir, sem a faculdade de pensar, o princípio vital é coisa distinta e independente. A palavra vitalidade não daria a mesma idéia. Para uns, o princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que se produz quando a matéria se encontra em dadas circunstâncias; segundo outros, e essa idéia é a mais comum, ele se encontra num fluido especial, universalmente espalhado, do qual cada ser absorve e assimila uma parte durante a vida, como vemos os corpos inertes absorverem a luz. Este seria então o fluido vital, que, segundo certas opiniões, não seria outra coisa senão o fluido elétrico animalizado, também designado por fluido magnético, fluido nervoso etc.
Seja como for, há um fato incontestável, pois resulta da observação: é que os seres orgânicos possuem uma força íntima que produz o fenômeno da vida, enquanto essa força existe; que a vida material é comum a todos os seres orgânicos, e que ela independe da inteligência e do pensamento; que a inteligência e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies orgânicas; enfim, que, entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência e pensamento, há uma dotada de um senso moral especial que lhe dá incontestável superioridade perante as outras, e que é a espécie humana.
Compreende-se que, com uma significação múltipla, a alma não exclui o materialismo, nem o panteísmo. Mesmo o espiritualista pode muito bem entender a alma segundo uma ou outra das duas primeiras definições, sem prejuízo do ser material distinto, ao qual dará qualquer outro nome. Assim, essa palavra não representa uma opinião: é um Proteu, que cada qual ajeita a seu modo, o que dá origem a tantas disputas intermináveis.
Evitaríamos igualmente a confusão, mesmo empregando a palavra alma nos três casos, desde que lhe ajuntássemos um qualificativo para especificar a maneira pela qual a encaramos ou a aplicação que lhe damos. Ela seria então um termo genérico, representando ao mesmo tempo o princípio da vida material, da inteligência e do senso moral, que se distinguiriam pelo atributo, como o gás, por exemplo, que se distingue ajuntando-se-lhe as palavras hidrogênio, oxigênio e azoto. Poderíamos dizer, e talvez fosse o melhor, a alma vital para designar o princípio da vida material, a alma intelectual para o princípio da inteligência, e a alma espírita para o princípio da nossa individualidade após a morte. Como se vê, tudo isto é questão de palavras, mas questão muito importante para nos entendermos. Dessa maneira, a alma vital seria comum a todos os seres orgânicos: plantas, animais e homens; a alma intelectual seria própria dos animais e dos homens, e a alma espírita pertenceria somente ao homem.
Acreditamos dever insistir tanto mais nestas explicações, quanto a Doutrina Espírita repousa naturalmente sobre a existência em nós de um ser independente da matéria e que sobrevive ao corpo. Devendo repetir freqüentemente a palavra alma no curso desta obra, tínhamos de fixar o sentido em que a tomamos, a fim de evitar qualquer engano.
Vamos, agora, ao principal objetivo desta instrução preliminar

sábado, 11 de setembro de 2010

I – Espiritismo e Espiritualismo

 

por Allan Kardec, em 1857
Para as coisas novas necessitamos de palavras novas, pois assim o exige a clareza de linguagem, para evitarmos a confusão inerente aos múltiplos sentidos dos próprios vocábulos. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm uma significação bem definida; dar-lhes outra, para aplica-las à Doutrina dos Espíritos, seria multiplicar as causas já tão numerosas da anfibologia. Com efeito, o espiritualismo é o oposto do materialismo; quem quer que acredite haver em si mesmo alguma coisa além da matéria é espiritualista; mas não se segue dai que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível.
Em lugar das palavras espiritual e espiritualismo, empregaremos, para designar esta última crença, as palavras espírita e espiritismo, nas quais a forma lembra a origem e o sentido radical e que por isso mesmo têm a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando para espiritualismo a sua significação própria. Diremos, portanto, que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos
ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se o quiserem, os espiritistas.
Como especialidade O Livro dos Espíritos contém a Doutrina Espírita; como generalidade liga-se ao Espiritualismo, do qual apresenta uma das fases. Essa a razão por que traz sobre o título as palavras: Filosofia Espiritualista

quarta-feira, 21 de julho de 2010

LIVRO DOS ESPIRITOS

Sobre Esta Obra


Com este livro surgiu no mundo o Espiritismo. Sua primeira edição foi lançada a 18 de abril de 1857, em Paris, pelo editor E. Dentu, estabelecido no Falais Royal, Galérie d’0rléans, 13. Três novidades, à maneira das tríades druídicas, apareciam com este livro: a Doutrina Espírita, a palavra Espiritismo, que a designava; e o nome Allan Kardec, que provinha do passado celta das Gálias.
A primeira novidade era apresentada como antiga, em virtude de representar a eterna realidade espiritual, servindo de fundamento a todas as religiões de todos os tempos: a Doutrina Espírita. Era, entretanto, a primeira vez que aparecia na sua inteireza, graças à revelação do Espírito de Verdade prometida pelo Cristo. A segunda, a palavra Espiritismo, era um neologismo criado por Kardec e desde aquele momento integrado na língua francesa e nos demais idiomas do mundo. A terceira representava a ressurreição do nome de um sacerdote druida desconhecido.
A maneira por que o livro fora escrito era também inteiramente nova. O Prof. Denizard Hippolyte Léon Rivail fizera as perguntas que eram respondidas pelos Espíritos, sob a direção do Espírito de Verdade, através das cestinhas-de-bico. Psicografia indireta. Os médiuns, duas meninas, Caroline Baudin, de 16 anos, e Julie Baudin, de 14, colocavam as mãos nas bordas da cesta e o lápis (o bico) escrevia numa lousa. Pelo mesmo processo, o livro foi revisado pelo Espírito de Verdade, através de outra menina, a Srtª Japhet. Outros médiuns foram posteriormente consultados e Kardec informa, em Obras Póstumas: “Foi dessa maneira que mais de dez médiuns prestaram concurso a esse trabalho”.
Este livro é, portanto, o resultado de um trabalho coletivo e conjugado entre o Céu e a Terra. O Prof. Denizard não o publicou com o seu nome ilustre de pedagogo e cientista, mas com o nome obscuro de Allan Kardec, que havia tido entre os druidas, na encarnação em que se preparava ativamente para a missão espírita. O nome obscuro suplantou o nome ilustre, pois representava, na Terra, a Falange do Consolador. Esta falange se constituía dos Espíritos Reveladores, sob a orientação do Espírito de Verdade e dos pioneiros encarnados, com Allan Kardec à frente.
A 16 de março de 1860, foi publicada a segunda edição deste livro, inteiramente revisto, reestruturado e aumentado por Kardec, sob orientação do Espírito de Verdade, que, desde a elaboração da primeira edição, já o avisara de que nem tudo podia ser feito naquela. Assim, a primeira edição foi o primeiro impacto da Doutrina Espírita no mundo, preparando ambiente para a segunda que a completaria. Toda a Doutrina está contida neste livro, de forma sintética, e foi posteriormente desenvolvida nos demais volumes da Codificação.
Escrito na forma dialogada da Filosofia Clássica, em linguagem clara e simples, para divulgação popular, este livro é um verdadeiro tratado filosófico que começa pela Metafísica, desenvolvendo cm novas perspectivas a Ontologia, a Sociologia, a Psicologia, a Ética, e estabelecendo as ligações históricas de todas as fases da evolução humana em seus aspectos biológico, psíquico, social e espiritual. Um livro para ser estudado e meditado, com o auxílio dos demais volumes da Codificação.
José Herculano Pires,